Os avanços impressionantes da Inteligência Artificial (IA) oferecem oportunidades inéditas para diversos setores. Porém, este cenário também traz desafios significativos que não podem ser ignorados.
Nesse contexto, a regulação da Inteligência Artificial se torna uma pauta de grande relevância no cenário global. No Brasil, por exemplo, tramita o Projeto de Lei nº 2338/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG).
À medida que o País se posiciona como um polo de inovação e tecnologia, é essencial adotar uma abordagem sólida e eficaz em relação à IA.
Para compreender como isso está sendo visto pelos órgãos competentes, entrevistamos Miriam Wimmer, diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Leia a conversa completa abaixo!
Como decorreu o histórico da regulação da Inteligência Artificial no Brasil?
Miriam Wimmer: “No Brasil, um marco relevante para a regulação de sistemas de inteligência artificial é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), publicada em agosto de 2018. A lei expressamente protege os titulares em face dos impactos decorrentes de decisões automatizadas, tomadas com base no tratamento de seus dados pessoais.
Imagine, por exemplo, que em um processo seletivo a seleção de currículos é efetuada por um sistema de inteligência artificial. O candidato não selecionado pode não saber que a análise foi realizada de forma automatizada ou mesmo quais critérios foram utilizados. Além disso, o sistema pode reproduzir algum viés discriminatório, privilegiando de forma arbitrária, ainda que não intencionalmente, determinados grupos sociais em detrimento de outros.
Esse tipo de situação revela a importância do direito de solicitar a revisão de decisões automatizadas e de ter acesso aos critérios que amparam essas decisões, tal como previsto na LGPD. Ao mesmo tempo, indica que outras normas podem ser necessárias para uma regulação adequada de sistemas de inteligência artificial, a exemplo de regras sobre transparência, avaliação de riscos e supervisão humana.
Essas e outras questões têm impulsionado o debate legislativo em torno do tema. Nesse sentido, em setembro de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto (PL 21/20), que estabelece fundamentos e princípios para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil.
No Senado, foi formada uma Comissão de Juristas, da qual tive a honra de participar, com o objetivo de discutir a proposta da Câmara e elaborar um substitutivo. O trabalho da Comissão deu origem ao PL 2.338/2023, que atualmente tramita naquela Casa Legislativa”.
Quais são as principais propostas de regulamentação da IA pela ANPD?
Miriam Wimmer: “O tema da Inteligência Artificial está previsto na Agenda Regulatória da ANPD para o biênio 2023-2024, com previsão de início do projeto no segundo semestre de 2024. O objeto principal da atuação da ANPD deve ser o art. 20 da LGPD, que assegura aos titulares o direito de solicitar a revisão de decisões tomadas com base em tratamento automatizado de dados pessoais.
O mesmo artigo também atribui aos controladores a obrigação de oferecer informações claras e adequadas sobre os critérios e os procedimentos utilizados para a decisão.
A atuação da ANPD nesse tema pode se basear, por exemplo, na expedição de orientações, com base em Guias Orientativos, que apresentem boas práticas a serem observadas pelos agentes de tratamento com vistas ao cumprimento da lei e à garantia de direitos dos titulares.
Vale ressaltar que a ANPD está acompanhando de perto os debates legislativos sobre a regulação de sistemas de inteligência artificial. Nesse sentido, divulgamos recentemente um estudo técnico com contribuições ao PL 2338/2023, que pode ser consultado na internet”.
Quais são as tendências de regulação da Inteligência Artificial internacionalmente?
Miriam Wimmer: “De forma geral, é possível identificar três grandes tendências de regulação da inteligência artificial internacionalmente.
Primeiro, a edição de recomendações e princípios éticos por entidades e organizações internacionais, com o objetivo de estabelecer parâmetros gerais e orientar desenvolvedores, empresas e agentes públicos que lidam com o tema.
Como exemplo desse tipo de proposta, podem ser mencionados os Princípios para o uso da Inteligência Artificial, publicados pela OCDE em maio de 2019; e a Recomendação sobre a Ética da Inteligência Artificial, editada pelo Unesco em novembro de 2021.
Uma segunda tendência pode ser identificada em países que apostam em uma regulação mais flexível, em geral associada a políticas de inovação e de desenvolvimento tecnológico, sem a definição de regras cogentes ou a imposição de novas obrigações legais aos agentes que atuam na área.
Os Estados Unidos e o Reino Unido, por exemplo, têm investido nessa abordagem “próinovação”, baseando a sua atuação na publicação de documentos orientadores e na definição de compromissos voluntários por parte de grandes empresas.
Por fim, uma terceira tendência aposta na definição de normas mais abrangentes, que estabelecem direitos e obrigações legais, com o objetivo de mitigar riscos e assegurar um uso confiável dos sistemas de inteligência artificial.
A União Europeia, sem dúvida, é o grande exemplo desta tendência. Por lá, o chamado ‘AI Act’, proposta de regulamento ainda em discussão nos órgãos competentes europeus, estabelece uma série de medidas protetivas que devem ser implementadas pelos responsáveis por sistemas de IA, especialmente quando identificada a existência de alto risco.
É possível afirmar que o PL 2338/2023, atualmente em discussão no Senado Federal, segue um modelo similar, com especial destaque para a garantia de direitos fundamentais”.
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